Daqui a pouco ele cresce. E desaparece.



O texto publicitário que você lerá abaixo saiu do punho do meu pai, Aloísio Cruz, que se estivesse vivo faria 73 anos hoje, dia 7 de outubro de 2015.

Especialmente se você é pai (ou mãe), não deixe de ler esse texto.

O anúncio foi feito para a campanha publicitária de uma empresa que não me recordo o nome (quem poderia se lembrar, minha mãe, também já se foi), e foi publicado em 1975 em diversas revistas de grande circulação no país (Veja, Manchete, Isto é...), em comemoração ao Dia da Criança – que por sinal está perto




Seu Aloísio, o Aloísio Cruz, nos anos 1970 era conhecido no meio da propaganda como um “cobrão” (expressão que se usava na época para os publicitários reconhecidos). Consagrado, conhecido nacionalmente, foi sócio de agências famosas, entre elas a Proeme, em sociedade com Ênio Mainardi  pai do jornalista Diogo Mainardi.



O Prêmio Colunistas, que existe desde 1968,
é, até hoje, o maior prêmio da publicidade brasileira.
Aloísio Cruz fez parte do conselho do juri, junto com outros
notáveis da época, em algumas edições do prêmio nos anos 1970.


Escrevia muito bem, como se vê acima e como vai se comprovar adiante, mas não era especialista em criar textos para campanhas. Meu pai atuava como mídia, que é um profissional de bastidores, responsável por pensar e desenvolver as estratégias de mercado para os clientes da agência.


Porém, no caso do texto acima, segundo minha mãe, ele o escreveu numa certa noite na sala de casa, à mão, e disse pra ela assim: "Benhê, lê e vê se você gosta. Vou mostrar amanhã na reunião para o cliente como uma linha que ele poderia tomar para a campanha do Dia das Crianças".

Segundo minha mãe, quando ele apresentou o texto na manhã seguinte o cliente disse "Excelente! Quero usar esse mesmo.". "Mas isso é só uma ideia pra se pensar...", meu pai falou. "É exatamente isso o que queremos. Vamos usar".




(Acima, 1977 - agência Proeme)


Por vezes, meu pai acabou se transformando em garoto-propaganda, e foi fotografado pra campanhas da própria agência. "O cliente achou minha cara boa pra representar seu consumidor", disse para minha mãe na primeira vez que isso ocorreu.

Algumas vezes, o pessoal da agência dizia para o cliente, em tom de sarro: "Se o senhor quiser temos aqui o nosso Paul Newman [ator americano com quem meu pai teria alguma semelhança]..." E isso virou um folclore dentro da agência, e rendeu  um punhado de aparições para ele.
 





(Acima, 1971 - Agência Lintas)

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Abaixo "tomando um tiro" na propaganda para
a chamada de um programa humorístico que estrearia na antiga
TV Excelsior. 



Tendo ou não a cara boa pra personificar as expectativas dos clientes, em 1978 meu pai optou por abandonar a atividade de mídia em agências e, a convite da extinta Rede Tupi de Televisão, assumiu a Diretoria Nacional de Programação e Mídia da emissora.

Só dois anos depois, em julho de 1980, a Tupi, que era a mais antiga emissora brasileira no ar, faliu. Com todo mundo dentro.


(Achei nesse blog a matéria jornalística daquele fatídico dia)

Eu tinha 10 anos na época. Seu Aloísio quase 40. Se hoje já não é fácil se reempregar aos 40, o que dizer de trinta anos atrás...


De uma vida boa, passamos a enfrentar dificuldades que foram chegando, lenta e gradualmente, pois os anos eram difíceis para o país, e meu pai não conseguiu se empregar novamente.





A alusão à leitura de livros, como no texto acima (assinado pelo presidente da Jovem Pan,
o Tuta, ainda hoje presidente de honra), era comum por parte dos amigos. Meu pai tinha a
fama de ler de 2 a 4 livros por semana. E era verdade, ele lia mesmo.


Depois de um tempo tentando colocações à altura de sua experiência profissional, em vão, seu Aloísio passou a procurar por cargos menores, aquém de sua capacidade. Foi quando se deparou com outro problema: pupilos seus, verdadeiros discípulos que foram treinados por ele no início da carreira, alguns que haviam inclusive galgado a cargos elevados, esqueceram-se de quem os ajudou e fecharam as portas para meu pai. A ingratidão é parte da vida.

Lembro-me de uma conversa entre minha mãe e meu pai, na época. Essas coisas marcam a gente. Na conversa, ela, indignada, perguntava, enquanto arrumavam juntos a cozinha após o jantar: “Mas não foi você que colocou esse sujeitinho lá!? Era um menino que não sabia nada e que você ensinou tudo, deu emprego! E agora ele te vira as costas?”.


Recordo-me, como se fosse hoje, da resposta do meu pai, oferecida em voz baixa (meu pai sempre falava baixo), com a serenidade que lhe era peculiar: “Diva, tente pensar como ele pensa: ‘se eu colocar o Aloísio aqui dentro ele me rouba o emprego’. Entendeu? Entendeu por que não me estendem a mão?”.

Não sei se minha mãe entendeu, mas assim aconteceu, e as portas foram se fechando para ele, sistematicamente. Os difíceis anos 1980 se passaram e, 10 anos depois da falência da Tupi, em 1990, o governo Collor, em março, confiscou o pouco dinheiro que tínhamos guardado. 

Naquele ano, em agosto, meu pai enfartou. Depois de passar 2 meses em coma, faleceu. Estávamos em outubro, o mês de seu aniversário - de 48 anos. 

Abaixo deixo três das muitas cartas que meu pai enviou ao Jornal da Tarde, do qual era assinante. Todas anônimas, apenas assinadas como "A.C - Capital", e iniciadas pelo peculiar vocativo "Sr".


Os assuntos? Os mais diversos, como se poderá ver. O curioso é que todas que ele enviou, sem exceção, foram publicadas. "Aloísio, põe seu nome direito nessas cartas, quem sabe alguém te reconhece e te chama?", dizia minha mãe, sempre com esperanças.


Ocorre que estávamos em 1986, 87 e 88, e meu pai, que já estava há anos vivendo de bicos (que em propaganda e marketing tinha – não sei se ainda tem – o pomposo nome de "trabalhos freelancer"), preferia se manter anônimo. E isso para mim é a prova cabal de sua competência no articular das palavras: as cartas eram publicadas sem que o JT soubesse quem era afinal o tal A.C, residente na Capital; ainda assim elas foram, todas, invariavelmente publicadas.


Parabéns ao meu velho que, de algum lugar, imagino, possa estar me acompanhando. Ele que teve sucesso muito jovem, e amargou a ingratidão, o abandono, o fracasso e o esquecimento, mas que sempre soube ser bom pai, que brincou comigo sempre, e muito. Todos os sábados e domingos de manhã fazíamos da sala do apartamento uma bagunça daquelas... Tomara que eu consiga ser tão bom para minha filha como ele foi pra mim.


Só podia ser ele mesmo, meu pai, a escrever o texto que dá o título a esta postagem!


Parabéns, Aloísio Cruz! 













Cesar Cruz
Outubro 2015


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